Engana-se quem pensa que fazer trabalho de campo (em algumas situações, como a nossa) seja apenas resistir a meses sem luz, chuveiro e geladeira. O trabalho de campo também envolve lidar com situações e pessoas, e isso pode ensinar bastante sobre inteligência emocional, social e relações interpessoais. O texto de hoje abordará um pouco do que enfrentei sendo uma mulher à frente de um projeto de pesquisa.
Se você é mulher, provavelmente já tem uma ideia do que vou relatar nas linhas abaixo. Infelizmente, isso é algo tão comum e tão profundamente enraizado em nossa cultura que tenho certeza de que, se você não enfrentou, conhece alguém que já passou por isso. Aqui, refiro-me ao machismo no ambiente de trabalho, especificamente no trabalho de campo.
A primeira vez que me deparei com isso foi há três anos, quando um auxiliar de campo se recusou a trabalhar conosco porque éramos apenas duas mulheres na equipe. Ele acreditava que teria que trabalhar em dobro, carregando materiais, por exemplo. Naquele momento, fiquei muito chateada, mas sabia que eu e Rayssa, minha colaboradora e amiga, trabalhávamos melhor do que muitos homens por aí. Aquela situação passou; conseguimos outro auxiliar e coletamos os dados, tudo certo… Ou pelo menos foi o que pensei, até começar a coleta de dados do meu doutorado.

Nos 11 meses que se passaram desde o início das coletas, trabalhamos com muitas pessoas diferentes. Algumas foram excelentes e muito gentis, mas outras nem tanto. Alguns não queriam contribuir nas tarefas diárias do acampamento, como lavar a louça ou cozinhar; outros não respeitavam minha liderança e planejamento, contrariando minhas decisões na frente da equipe ou desmerecendo meu conhecimento sobre a área de estudo.
Comentários desconfortáveis também vieram de colegas que, diante de dificuldades de acesso em determinadas áreas, disseram que não conseguiríamos, já que éramos duas mulheres, enquanto eles, dois homens, não haviam conseguido acessar (nós conseguimos, sim!).

Durante esse tempo, essas e outras situações me levaram a perceber que uma mulher precisa fazer mais do que um homem para ser vista e admirada. Se fizer o mesmo, passa despercebida, e se fizer menos, é apenas o esperado. Houve, inclusive, uma situação em que fomos para uma área muito isolada, a Grade Uatumã. Para chegar lá, é preciso remar e empurrar o barco igarapé acima, além de caminhar muitos quilômetros para acessar a parcela. Nessa época, o igarapé estava tão seco que só conseguimos montar acampamento a 7 km da parcela, de modo que tínhamos que caminhar cerca de 14 km todos os dias, carregando os materiais apenas para ir e voltar do acampamento. No final de um dia de amostragem, após retornarmos ao acampamento, ainda tivemos que ouvir: “Vocês estão cansadas, né? Já é puxado para mim, que sou homem; imagina para vocês.”

Eu não acho que todas as situações ocorreram por maldade. Estamos lidando com pessoas diferentes, criadas em realidades e épocas distintas. Além disso, o campo em que atuamos é um pouco atípico, e as condições podem ser estressantes, especialmente pela convivência de 24 horas por dia, durante quase 25 dias por campanha.
Essas experiências me ensinaram que, apesar das dificuldades, nossa competência não precisa da validação de quem não acredita em nós. Cada desafio superado se tornou uma prova de que somos capazes de realizar tudo o que nos propomos, independentemente das barreiras impostas. Hoje, ao olhar para trás, vejo o quanto essas situações me fortaleceram. Continuo liderando minhas coletas, confiando no meu conhecimento e nas minhas habilidades, com uma equipe que respeita e acredita no trabalho que fazemos. A caminhada é difícil, e há dias em que é mais complicado ‘engolir alguns sapos’, mas seguimos firmes.
No final, o que importa é que, com o apoio de muitas pessoas queridas, concluiremos nossas coletas e lembraremos dos bons momentos. Afinal, ninguém faz nada sozinho.
