Como as plantações de árvores podem ajudar na conservação de aves florestais?

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publicação científica
Author

Ivana Cardoso

Published

July 29, 2025

O post de hoje é para compartilhar um marco muito especial: publicamos nosso primeiro artigo em uma revista internacional Qualis A1 escrito e liderado por alunos (atuais e egressos) do Instituto Federal Farroupilha – Campus Júlio de Castilhos. Essa é a instituição onde me formei e onde, com muita alegria, atuo hoje como colaboradora no Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas (NPCBio). Um detalhe que torna esse trabalho ainda mais significativo é o fato de ser uma pesquisa local, realizada no Rio Grande do Sul por pessoas da própria região. Lembro bem do momento, há cinco anos, em que os primeiros piquetes do sítio de pesquisa permanente – um RAPELD modificado (Magnusson et al., 2005) – foram instalados na Floresta Nacional de Passo Fundo, onde o estudo foi conduzido. Este artigo representa a primeira publicação fruto desse esforço coletivo. A seguir, compartilho os principais resultados do estudo.

As áreas de florestas naturais têm diminuído em todo o mundo, sobretudo pela conversão do solo para atividades agropecuárias. Paralelamente, a área ocupada por plantações de árvores tem aumentado, impulsionada pela demanda crescente por madeira, celulose e, mais recentemente, créditos de carbono. Nesse contexto, surge uma pergunta central: plantações de árvores podem conservar a biodiversidade florestal? Neste estudo, investigamos se plantações de espécies nativa (araucária, Araucaria angustifolia) e exótica (pinus, Pinus elliottii) conseguem manter comunidades de aves da floresta natural do tipo ombrófilo mista – conhecidas como Floresta de Araucária. Também buscamos identificar espécies de aves que possam atuar como indicadoras desses diferentes tipos florestais.

Este estudo foi desenvolvido na Floresta Nacional de Passo Fundo, no norte do Rio Grande do Sul (Fig. 1). O trabalho de campo durou um ano, entre junho de 2021 e maio de 2022. Amostramos aves utilizando redes de neblina ao longo das quatro estações do ano. O trabalho de campo foi liderado por Rayssa T. Amarante, com a valiosa colaboração de Raquel T. Amarante e Felipe Brum. Eu participei da campanha de outono (abril-maio de 2022) e foi o campo mais frio em que já estive! (Fig. 2). Lembro até que as aves pareciam pequenas bolinhas arrepiadas tentando isolar o calor entre as penas (Fig. 3). Durante todo o processo, desde a coleta até a publicação do artigo, fomos orientados pelo professor Anderson Saldanha Bueno (Fig. 4).

Fig. 1 - Floresta Nacional de Passo Fundo, nossa área de estudo.

Fig. 2 - Em alguns dias de amostragem fazia tanto frio que medíamos as aves e revisávamos as redes enrolados em cobertinhas.

Fig. 3 - Um Chiroxiphia caudata inflado por causa do frio.

Fig. 4 - Nosso time de pesquisa. Da esquerda para a direita: Anderson S. Bueno, Felipe Brum, Raquel T. Amarante, Ivana Cardoso, Rayssa T. Amarante.

No total, amostramos 18 áreas, divididas em três grupos de seis, correspondendo aos três tipos florestais amostrados: floresta natural, plantações de araucária e plantações de pinus (Fig. 5). Em cada área, também medimos a obstrução da vegetação de sub-bosque, que é uma característica fundamental para indicar a disponibilidade de recursos e abrigos para as aves.

Fig. 5 - Os três tipos de floresta onde amostramos aves na Floresta Nacional de Passo Fundo.

Vale destacar que as plantações amostradas são antigas, com idades entre 49 e 71 anos, e estão localizadas próximas a fragmentos de floresta natural com pelo menos 10 hectares. Essas condições configuram um cenário ambiental relativamente “benigno”, ou seja, mais favorável à presença de espécies florestais.

Ao longo do estudo, capturamos 1.073 aves de 51 espécies diferentes. Nossos resultados mostraram que plantações de árvores, tanto nativas quanto exóticas, podem abrigar comunidades de aves semelhantes às da floresta natural quando inseridas em um contexto ambiental benigno, caracterizado pelo sub-bosque desenvolvido, idade avançada e proximidade aos fragmentos de floresta natural. Essa semelhança na comunidade de aves foi ainda mais pronunciada nas plantações de espécies nativas, sugerindo que elas possuem maior potencial para a conservação da avifauna florestal.

Das 51 espécies capturadas, 45 eram florestais. Entre elas, apenas uma espécie (Leptopogon amaurocephalus) (Fig. 6) foi associada com a floresta natural. Isso sugere que, para muitas espécies florestais, plantações de árvores nativas e exóticas em um contexto benigno podem atuar como habitats complementares ou alternativos.

Fig. 6 - Leptopogon amaurocephalus, a única espécie exclusivamente associada à floresta natural no nosso estudo.

Ainda assim, é importante destacar que a integridade das comunidades de aves nas florestas naturais é superior à observada nas plantações, ou seja, a variedade de espécies e a quantidade de indivíduos de cada uma é mais parecida entre florestas do que entre florestas e plantações. Por isso, a preservação das florestas é insubstituível para a conservação da avifauna.

Além disso, a manutenção das florestas naturais beneficia não apenas as espécies que ocorrem dentro delas, mas também amplia o valor de conservação das plantações vizinhas, que muitas vezes dependem dessa proximidade para sustentar uma comunidade de aves mais diversa e representativa.

O artigo com os resultados da pesquisa foi publicado no dia 21 de julho de 2025, na revista científica Forest Ecology and Management e pode ser acessado através do link: https://doi.org/10.1016/j.foreco.2025.122985.